Certa vez, em um jogo de competição europeia, o capitão do
Napoli, Claudio Vinzazzani, estendeu a mão para o árbitro espanhol. O homem
vestido de preto negou o cumprimento.
- Vocês, italianos, são como os espanhóis: uns filhos da
puta!
- Ora, mas você é espanhol!
- Eu não! Eu sou basco!
O basco em questão era o árbitro Emilio Carlos Guruceta
Moro, um dos nomes mais conhecidos da arbitragem espanhola. Por sua qualidade,
mas principalmente por uma das maiores polêmicas de arbitragem do futebol
espanhol.
Nascido em 4 de novembro de 1941, em San Sebastián, estreou
na primeira divisão espanhola em 21 de setembro de 1969, aos 28 anos, no jogo
Zaragoza 2x1 Pontevedra, sendo o mais novo árbitro da história do
campeonato espanhol até então, marca batida apenas em 2012. Logo percebeu
que tinha potencial midiático, e tentava fazer o que muitos fazem até hoje:
aparecer mais que os jogadores. Dificilmente os juízes são lembrados por coisas boas.
Invariavelmente, é um erro que marca eternamente suas vidas. Com Guruceta não seria diferente.
Na mesma temporada
de estreia, foi selecionado para apitar o El Clasico, válido pela volta das
quartas-de-final da Copa Generalísimo (o nome dado a atual Copa do Rei). O Real Madrid havia
vencido a ida por confortáveis 2 a 0. O Barcelona vencia o segundo jogo por 1 a
0, gol de Rexach. Na época, saldo de gols não era critério de desempate em
duelos de ida e volta, o que forçaria a disputa de uma terceira partida. Aos 14
minutos do segundo tempo, Velásquez avança em direção ao gol blaugrana e é
prontamente derrubado por Rifé, a cerca de um metro de distância da grande
área. Mas o juiz marcou penalidade máxima. Ou melhor, inventou. Após 8 minutos
de paralisação e da expulsão do capitão do Barça, Eladio, o jogo prosseguiu e
Amancio igualou o placar. A torcida, furiosa, arremessava o que tinha ao alcance das mãos e
próximo aos 40 minutos, invadiu o gramado, forçando o árbitro a terminar o jogo
e sair do Camp Nou escoltado
Pelo erro, Guruceta foi suspenso por 6 meses e ficou sem
apitar jogos do Barcelona por 15 anos. Voltou ao quadro de arbitragens local e
logo se tornou internacional. Dirigiu partidas dos Jogos Olímpicos de Montreal
76 e Moscou 80. Em 79, protagonizou outro caso curioso. Na Universíada, no jogo
entre Paraguai e Coreia do Sul, expulsou todos os jogadores paraguaios.
Anos depois, já estabelecido como um dos principais árbitros do país, tinha
como única preocupação dirigir os jogos do restante da temporada 86/87, em que
iria se aposentar do apito ao seu final. Já preparava o terreno para sua vida
pós-arbitragem, já que havia aberto anos antes uma fábrica de calçados
esportivos com seu nome.
No dia 25 de fevereiro de 1987, dirigia sua BMW em direção a
Pamplona junto de seus árbitros auxiliares, onde apitaria o jogo entre Osasuña
e Real Madrid, pela Copa do Rei. A chuva forte fez com que o carro
aquaplanasse na pista e se chocasse em um caminhão que estava parado no
acostamento. Era o fim da carreira e da vida de Guruceta. Deixou esposa e dois
filhos pequenos, um garoto de 5 anos e uma menina de apenas 1 ano. O
auxiliar Eduardo Vital Torres também não resistiu. Apenas o outro
auxiliar, Antonio Coyes Antón sobreviveu.
Em meio aos jogos da Copa do Rei, o centro das atenções, como
acontecia muitas vezes em que apitava, voltou a Guruceta, dessa vez por sua
morte. A imprensa espanhola repercutiu o acidente do árbitro com reportagens de
várias páginas, e em uma época com menos tato humano no jornalismo, as páginas
estampavam a cruel imagem do homem ensanguentado
Em sua homenagem, o jornal madrilenho Marca instituiu o Troféu
Guruceta, dado ao melhor árbitro do campeonato espanhol. A partir de 94, também
passou a premiar o melhor árbitro da segunda divisão. Mas mesmo após sua morte,
a polêmica não lhe deixou. Em 97, um dirigente belga do Anderlecht confessou
ter pago dinheiro a Guruceta antes de uma semifinal de Copa da Uefa,
contra o inglês Nottinhgam Forest. O time belga passou à final, a qual perderia
para o também inglês Tottenham. O Anderlecht foi suspenso por um ano de
competições continentais.
Apesar das polêmicas e acusações de torcedores de todas as
cores, apitou 186 partidas do campeonato espanhol, sendo um dos mais
respeitados árbitros da história do futebol da Península Ibérica.
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Publicado originalmente no blog Escrevendo Futebol em 16 de novembro de 2015 e editado no dia 12 de maio de 2019.
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