A
internet revolucionou as comunicações e hoje é mais fácil - e barato - ver o
jogo de uma equipe do outro lado do Oceano Atlântico do que do time da mesma
cidade. Há 20 anos não era assim. Torcer para uma equipe de outro estado era
igualmente condenável do ponto de vista da valorização de suas raízes, tal como
é hoje, mas possuía dificuldades técnicas adicionais. E para uma criança de 6
anos, a distância não era um problema, apesar de tudo. Sou colorado por
influência familiar, principalmente por parte de minha madrinha, atleta amadora
de futebol e que, na juventude no interior rio grandense, chorou ao ouvir pelo
rádio a despedida de Don Elias Figueroa. Era ela quem me influenciava
periodicamente. O futebol nasceu comigo, não tenho dúvidas. Mas foi ela quem
ajudou a germinar a semente já plantada. Me presenteando com bolas, camisas do
Inter e também revistas.
Em
uma época em que a forma mais barata de se informar era pela TV e pelo rádio, o
impresso era um luxo para mim. Aprendi a ler muito cedo, e com 6 anos já
iniciava minha coleção de revistas de futebol. A banca de jornal era minha loja
de brinquedos. Mas como dinheiro era um problema, raramente ganhava a revista
que queria. E quando ganhava, devorava ela da primeira página à última centenas
de vezes. Ver jogos do Inter era um evento raro, só permitido pelas
transmissões da Globo ou da Band. Todas as informações do clube pelo qual
torcia eram escritas. E foi do papel que saíram meus primeiros ídolos. Um deles
era o goleiro André Döring. Embora até hoje eu prefira os goleadores e os
pontas habilidosos, tenho em um goleiro um dos meus primeiros ídolos no futebol.
E o tempo e o aprendizado dentro desse mundo me mostrou que eu estava certo em
considerá-lo assim, porque André foi tecnicamente um dos maiores goleiros da
história do Internacional, e sua relevância em meio a um cenário de caos vivido
pelo clube nos anos 90, só reforçam sua importância. Esse preâmbulo serviu para
contextualizar um pouco a motivação deste texto, que conta a história dos 25
anos de vida de André dedicados ao futebol e, principalmente e em maior parte,
ao Internacional.
A
formação de um ídolo colorado
Os
primeiros passos de André como goleiro do Internacional se deram em 1989,
quando o jogador tinha 17 anos. Mas até ter sua efetiva chance, passou por
equipes amadoras de sua cidade-natal, Venâncio Aires, como o Fluminense de Mato
Leitão e o Cruzeiro, além de ter atuado nas divisões menores do Guarani local.
Aliás, nos dois primeiros times citados, André teve como companheiro o hoje
técnico Mano Menezes. Em 92, André é incorporado ao elenco principal do Inter,
e do banco vê o clube faturar o Campeonato Gaúcho daquele ano e a única Copa do
Brasil colorada, com Gato Fernandéz no gol. Depois disso, foram quatro anos na
reserva, tendo conquistado mais um estadual em 94, até assumir a camisa 1 em
1996. Apesar de relativamente baixo para a posição (1,84m), André compensava
com o bom posicionamento e tinha grande capacidade de encaixar a bola, mesmo em
lances difíceis. Era tudo o que precisava o Internacional, que vinha há alguns
anos sofrendo com equipes de qualidade técnica questionável. Não demorou para
que as comparações com Taffarel, então titular da Seleção, começassem, assim
como não foi preciso muito tempo para André cair nas graças da torcida. Era
mais um goleiro formado no celeiro de Ases.
Depois
de um 96 decepcionante, o ano de 97 foi especial para o torcedor colorado,
mesmo que o único título tenha sido o do Gauchão. Futebol envolvente, goleada
no arquirrival e boas campanhas na Copa do Brasil e no Brasileirão. Também foi
um ano especial para André, que se afirmou no gol do Inter tendo grandes
atuações e mostrando também aptidão para pegar pênaltis, como mostrou na
eliminatória da copa nacional contra o Santos, nas oitavas de final, agarrando
três cobranças. No Gauchão, a zaga, que contava com o impecável Gamarra mostrou
solidez, com apenas 16 gols sofridos em 25 jogos e o Colorado recuperou o
título regional depois de dois anos. No Brasileirão, como há muito não se via
no Beia-Rio, o Inter, liderado pelo ataque formado por Christian e Fabiano,
conquistou a classificação para a fase final, mas não conseguiu chegar à
decisão e terminou em uma honrosa 3ª posição geral. Além, claro, de ter sido o
ano do tão famoso Gre-Nal dos 5 a 2.
A única
partida pela Seleção Brasileira

A
segurança de André embaixo do gol fazia dele um dos favoritos a seguir como
selecionável. O arqueiro chegou a ser capa da Placar junto com Felipe
"Maestro", Fábio Júnior e Vampeta. Todos eram tidos como o futuro da
Amarelinha. Dos quatro, apenas Vampeta teve vida longa na Seleção. André ainda
foi convocado em outras três partidas em 99, para os amistosos contra Coreia do
Sul, Japão e Barcelona, em que Rogério Ceni foi o titular.
O
desafio na Toca da Raposa
André
seguia como incontestável no Internacional. Mas o clube, em condições
financeiras precárias no fim dos anos 90, não resistiu ao avanço do Cruzeiro.
Depois de dias de negociações, mesmo com a torcida contrariada, André - que
também não tinha intenção de sair - desembarcou na Toca da Raposa em julho de
99 por cerca de dois milhões e meio de reais, em valores da época, que incluíam
metade do passe do ponteiro esquerdo Elivélton. A missão de André era
substituir ninguém menos que Dida, que conquistou no clube os títulos da
Libertadores e da Copa do Brasil e alcançou um vice-campeonato brasileiro.
O
início de André foi animador. Com um mês de clube já foi campeão da Recopa
Sul-Americana de 98 sem tomar gols diante do River Plate (ps: a competição era
válida por 98 mas só foi disputada no ano seguinte). E exatamente um ano depois
de sua chegada, o arqueiro foi campeão da Copa do Brasil de 2000. Na decisão
contra o São Paulo, André falhou na cobrança de falta de Marcelinho Paraíba,
que naquele momento dava o título para o Tricolor paulista. Mas o Cruzeiro
conquistou a virada nos minutos finais. A emoção pelo gol foi tanta que o São
Paulo quase voltou a empatar no último lance de partida, mas André impediu com
uma grande defesa.
Entre
altos e baixos em Minas, aconteceu o pior para um atleta profissional. No
período que passou pelo Cruzeiro, André teve a infelicidade de romper os
ligamentos de ambos os joelhos, o primeiro ainda em 99, e o segundo em 2000. A
mudança na comissão técnica da Seleção e as lesões impediram que André tivesse
uma carreira maior com a amarelinha, e também que André tivesse mais influência
nos troféus conquistados pela Raposa. Do banco ou do departamento médico, André
ainda adicionou ao seu currículo as conquistas da Tríplice Coroa cruzeirense em
2003 e do bicampeonato da extinta Copa Sul-Minas em 2001 e 2002.
O
retorno ao Beira-Rio
Sem
espaço no Cruzeiro, André retornou ao clube que lhe formou. Em 2004, teve
poucas chances na disputa com Clêmer, e voltou a conquistar o Gauchão na
reserva. No início de 2005, alternou na posição de titular durante o estadual.
Na final diante do 15 de Novembro, Clêmer estava lesionado e André entrou
jogando. Mas com apenas 24 minutos jogados, o goleiro colorado se chocou com o
atacante adversário Jacques e acabou quebrando o antebraço esquerdo em dois
pontos. A partir desse jogo, da conquista do bicampeonato gaúcho, a história de
André no Inter como jogador praticamente se encerrou. Clêmer reassumiu de vez a
titularidade e o resto é história.
O
último jogo de André com a camisa do Internacional foi em Curitiba, na última
rodada do famigerado Brasileirão de 2005, em que o Inter acabou derrotado pelo
Coritiba por 1 a 0, gol de pênalti de Alcimar. A equipe chegou a comemorar o
título nacional dentro de campo, mas o clube foi obrigado a se contentar com o
vice-campeonato.
O
momento de pendurar as chuteiras
Foi
então que André decidiu topar um novo desafio e assinou com o Juventude um
contrato de 4 temporadas. No Brasileirão de 2006, André conseguiu o feito de
participar das 38 partidas, e ajudou o Juventude a mais uma vez ficar com a 14ª
colocação na classificação final. Em 2007, porém, uma nova lesão no joelho
praticamente acabou com a temporada de André. Incomodado com as dores e ciente
que os problemas físicos continuariam, o goleiro decidiu parar de vez no início
de 2008. André pendurou as luvas sempre tend atuado na elite, vestindo a
camisa de apenas três clubes. Em Campeonatos Brasileiros, foram 172 partidas,
223 gols sofridos (média de 1,29 gols por jogo), 8 cartões amarelos e 1
vermelho.
Avesso
a entrevistas, André deixou os gramados sem maiores holofotes, com a mesma
discrição que tinha dentro de campo, para curtir a vida de pai que o futebol
lhe impedia de viver plenamente. "Atuar mais ou menos não dá. Mancharia
minha carreira. Pensei bem, decidi pegar o meu chapéu e agora quero umas férias
bem longas. Vou dar um tempo no futebol", disse na época. Mas não demorou
muito para que a saudade do esporte batesse, e André voltou a trabalhar no
Internacional em diversos cargos, especialmente nas categorias de base,
chegando até mesmo a treinar a equipe principal em alguns jogos, embora sempre
tenha deixado claro que jamais teve a intenção de seguir efetivamente a
carreira de treinador.
O
último ato
Em
2017, a CBF deu início ao Campeonato Brasileiro de Aspirantes. Mantendo a
tradição nas categorias inferiores, o Colorado faturou o título diante do
Santos, na Vila Belmiro. No banco de reservas, estava André, participando de
sua última partida como profissional do futebol, auxiliando o técnico Ricardo
Colbachini. Durante a comemoração do título, André foi homenageado com uma
placa comemorativa pelo serviços prestados ao Internacional, encerrando com
chave de ouro sua história no futebol e no clube que tantas vezes defendeu.
***
Texto originalmente publicado em 18 de abril de 2018, no blog Escrevendo Futebol.
Estava pesquisando sobre o goleiro André e me deparei com sua página. Bela história sua de torcedor e do André com o atleta. Bela homenagem ao nosso grande e inesquecível atleta e treinador.
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