Leonardo
Caetano Manzi, ou apenas Leonardo Manzi, como é mais conhecido, foi um dos
atacantes mais emblemáticos da primeira metade da década de 2000, especialmente
pelas três temporadas que realizou no Juventude, marcando seu nome na história
do clube gaúcho e também do Campeonato Brasileiro. Entretanto, o atacante
nascido em 28 de abril de 1969, em Goiânia, tem muita história pra contar desde
seu início no futebol, no Vila Nova, passando por um período de 10 anos na
Alemanha antes de voltar ao Brasil. O atacante, que apesar de sua altura e peso
(1,85m e 87kg), era veloz e ótimo finalizador, falou com exclusividade para o blog
sobre seus momentos no futebol.
O
início em Goiânia
Como
a grande maioria dos atletas, a infância de Leonardo Manzi foi de muita
dificuldade, e foi no futebol que ele buscou as oportunidades de vencer na
vida. "Vim de família pobre e foi muito difícil pra iniciar a carreira.
Comecei no Goiás com onze anos, mas era um clube muito longe pra mim. Chegava a
ir a pé, a caminhar de oito a dez quilômetros. Em 82, aos treze anos, me
transferi para o Vila Nova. Eu tinha um tio, Gebrair, que jogou nos anos 50, 60
pelo Vila. Foi um dos ídolos na história do clube, e mostrei esse interesse de
jogar futebol e vestir a camisa do Vila". Caçula de uma família de oito
irmãos, Manzi ainda teve de enfrentar a perda do pai, antes mesmo de dar seus
primeiros passos no mundo da bola. "Graças a Deus consegui realizar meu
sonho, que era o sonho do meu pai. Perdi meu pai eu tinha dez anos, pouco antes
de iniciar a carreira. Meu pai novo, com 38 anos, e ficou só minha mãe. E
claro, sobrou o futebol pra mim".
No
Tigrão, Manzi fez toda a base, onde se destacou em sua estreia no profissional
e também na Copa SP de Juniores. "Fiquei até 88, me profissionalizei lá no
Vila Nova, e depois já como profissional tive um Campeonato Goiano muito bom,
fui revelação do torneio. E no mesmo ano fizemos um campeonato muito bom na
Copa SP de Juniores". No estadual, Leonardo marcou nove gols, mesmo com o
Vila fazendo uma campanha bem abaixo do esperado, e terminou como um dos
artilheiros. Na Copa SP, o Vila Nova passou da primeira fase, e na segunda fase
acabou caindo diante do Flamengo e do Matsubara. "Depois voltei pra
Goiânia, e o Juan Figer (empresário uruguaio) se interessou pelo meu futebol,
comprou meu passe e emprestou ao Santos".
A
primeira grande oportunidade
Na
Vila Belmiro, ainda em 88, Leonardo Manzi participou de seu primeiro Campeonato
Brasileiro. O Santos fez campanha mediana, terminando em sétimo nos dois
turnos, e em 18º na classificação geral. Leonardo, mesmo tendo marcado apenas
três gols em 14 jogos disputados, foi o líder da equipe no quesito. Para o
jogador, ficou um sentimento de que poderia ter feito mais. "Saindo da
casa da mãe, tentando uma carreira no futebol, tentando algo na vida. Sabendo
das dificuldades que eu enfrentava em um clube grande. Infelizmente eu senti um
pouco isso aí. Não teve como dar continuidade naquele trabalho que fiz no Vila
Nova, pela pressão, pela saudade da família. Principalmente pela minha mãe. Eu
acompanhava ela em tudo, eu era o companheiro dela em casa, já que meus irmãos estavam quase todos
casados. No tempo que vivi no Santos, ainda teve um problema de saúde da minha
mãe, que afetou inclusive meu psicológico", conta, explicando o mau
rendimento. A adaptação era ruim também fora dos gramados, afinal, era uma
época bem diferente do futebol brasileiro. "Ás vezes não tinha dinheiro
pra pagar a passagem de ônibus. Os salários eram muito baixos, principalmente
jogador que ainda não tinha nome no cenário brasileiro. Situação financeira não
era das melhores mesmo em um time como o Santos".
A
vida na Alemanha
Foi
então que o empresário Juan Figer decidiu levar o garoto para uma experiência
fora do país, no pequeno St. Pauli, da Alemanha, clube conhecido por sua
torcida que defende bandeiras progressistas em suas bancadas. "Cheguei pra
fazer teste no St. Pauli. Pensei comigo mesmo: 'é mais uma chance na sua vida e
não vamos perder essa oportunidade, não'. A minha sorte que cheguei no meio do
ano, verão ainda. País bonito, mentalidade muito diferente da nossa, e eu via
como a última oportunidade da vida, como atleta e financeiramente. Meu maior
sonho era ajudar minha família". A chegada de Manzi ao St.Pauli causou
euforia. O Bild estampou em suas páginas de que o clube de Hamburgo estava
levando o "pequeno Pelé", uma referência ao clube do qual o jogador
estava vindo.
Exageros
à parte, Manzi caiu rapidamente nas graças da torcida por estar sempre
sorridente, mas recebeu severas críticas por seu futebol. Os anos se passaram
com o jogador sendo apenas mais um dos coadjuvantes da modesta equipe.
"Foi um período de adaptação. O treinador e o clube entendiam isso. Alguns
atletas entendiam isso, outros não tinham tanta paciência. Tive bastante
dificuldade, senti na pele até mesmo por ser negro. Mas foram poucas as coisas
que conseguiram me derrubar". Leonardo Manzi chegou apenas três meses
antes da queda do Muro de Berlim. Foi testemunha ocular da história de
integração entre as Alemanhas Ocidental e Oriental. E viu também os rastros de
intolerância entre os dois lados. Certa vez, ao ir jogar contra o Dynamo
Dresden, Manzi sofreu com insultos racistas ao partir para uma cobrança de
pênalti. Os torcedores na arquibancada imitavam o som de um macaco. Ele
converteu.
No
fim da temporada 92/93, porém, Leonardo Manzi ganhou status de ídolo ao salvar
a equipe do rebaixamento na última rodada, contra o Hannover 96. "O St
Pauli estava numa fase ruim, mas eu estava bem, com uns dez, onze gols no
campeonato. Fizemos um jogo que se a gente empatasse iríamos para a terceira
divisão. E consegui fazer o gol da vitória. Isso não ficou marcado só pra mim,
mas também na história do clube. Peguei um treinador (Josef Eichkorn) que me
deu muitas oportunidades e eu estava dando conta do recado". Na temporada
94/95, Manzi esteve no elenco do time vice-campeão da 2. Bundesliga, mas seu
tempo na equipe da cidade de Hamburgo estava prestes a acabar. Com o treinador
Uli Maslo, Manzi perdeu espaço. "Eu treinava com o profissional e jogava
com o time B. Ficou muito difícil, trabalhei dois anos dessa forma e chegou um
ponto que não dava mais. Aí apareceu a oportunidade de ir para o
Hannover", conta o jogador.
Após
sete anos no St. Pauli, Manzi assinou com o Hannover para a temporada 96-97.
Apesar da expectativa criada pelo bom time montado, o acesso para a elite
acabou não vindo. "Aquele ano o time tinha caído pra terceira divisão, e
naquela época era Regionalliga. Hoje é profissional. O Hannover montou um time
muito forte com jogadores que não estavam sendo aproveitados em equipes da
primeira divisão. E no mata-mata de acesso, na final contra o Cottbus,
infelizmente não deu certo. Perdemos, empatamos o primeiro em casa e perdemos o
segundo fora. Não subimos pra segunda. Na temporada seguinte, eu fiquei mais
seis meses, tive um probleminha com o treinador, e rescindi o contrato,
voltando pra Goiânia”.
Mas
logo surgiu outra oportunidade no futebol alemão. "Fiquei seis meses
desempregado aqui em Goiânia, e aí
apareceu uma oportunidade de voltar para a Alemanha, para o Cloppenburg. Um
time que na época era da Regionalliga. O Kay Stiese, um amigo meu que jogou
comigo no St Pauli me ligou, perguntou o que eu estava fazendo, se não tinha
interesse de voltar e voltei. Foi quando finalzinho de 99 pra 2000 eu voltei de
férias. Tinha mais seis meses de contrato, tava bem, tava como capitão do time.
Mas minha esposa não se adaptou muito bem à cidade, e ela preferiu ficar em
Goiânia. Foi quando eu também decidi rescindir o contrato e voltar pro Brasil.
Mas sem interesse de voltar a jogar futebol”.
A
volta para o Brasil
O
retorno aos gramados brasileiros se deu então por Ernesto Guedes, treinador que
lançou Leonardo Manzi no profissional no Vila Nova. Ele indicou o atacante para
o então treinador do Internacional, Zé Mário, ex-meia de times como Vasco,
Fluminense e Flamengo. Manzi fez parte de um "pacotão de reforços"
que desembarcou no Beira-Rio, que incluía o lateral Marcelo Santos, os
zagueiros Márcio Goiano e Carlinhos, o meia Tim e o atacante Rodrigão. O jogador
chegou em um momento ruim do Colorado, que contava com um elenco bem limitado
tecnicamente. Apesar disso, o jogador é só agradecimentos ao clube. "Sou
muito grato ao Inter, muito mesmo. Na época o Zé Mario era o treinador, uma
pessoa maravilhosa. Até postei uma foto há pouco tempo do time de 2000 ,
agradecendo a diretoria. Porque você voltar pro Brasil depois de quase 10 anos,
sair com 18 anos sem ninguém te conhecer e voltar totalmente desconhecido
ainda. Eles me abraçaram, me deram muita oportunidade. Me viram como ser humano
principalmente. só tenho a agradecer ao Internacional. Torço muito pelo Inter,
espero que a cada dia que passe o clube possa alcançar o lugar que é
merecedor". Na Copa João Havelange, o Inter ainda chegou às quartas-de-final,
sendo eliminado pelo Cruzeiro.
Em
2001, Leonardo se transferiu para
Juventude, e foi no Papo que o jogador teve um de seus melhores momentos
na carreira. É ele, por exemplo, o maior artilheiro do clube em Campeonatos
Brasileiros, com 25 gols. "Me adaptei melhor ao ritmo do futebol
brasileiro. Cidade muito boa também, minha esposa ficou muito feliz com Caxias.
E graças a Deus, como profissional, pude representar bem o escudo do Juventude.
Fui muito feliz nos primeiros dois anos". Entretanto, Manzi deixou o
Juventude no início de 2003 para jogar pelo Gama. No clube do Distrito Federal
foi campeão estadual e artilheiro com 8 gols. Na final, marcou dois gols na
vitória por 4 a 1 sobre o rival Brasiliense.
Mas
ainda em 2003, o Juventude, precisando fugir do rebaixamento, voltou a contar
com Manzi no ataque. No fim do campeonato, o clube gaúcho terminou na 18ª
posição, quatro pontos acima do primeiro rebaixado. O jogo mais marcante
daquele ano foi a goleada por 6 a 1 sobre o Corinthians, até hoje a maior goleada
já sofrida pelo Timão em Campeonatos Brasileiros. "Realmente, foi
surpreendente pra todo mundo. É um fato que é inesquecível não só pra mim, mas
para os jogadores que estavam naquele jogo, a torcida, é um fato inesquecível
até mesmo pra história do futebol brasileiro. Fazer parte de um momento desse,
principalmente a nosso favor. Se eu tivesse tomado de seis com certeza já tinha
esquecido isso aí (risos). Foi legal, principalmente marcando gol. Foi um jogo
muito bom, a gente aproveitou aquela oportunidade".
Porém,
foi no mesmo período que Manzi passou por seu pior momento na carreira. No dia
21 de setembro, Leonardo Manzi marcou dois gols na vitória do Juventude por 4 a
0 sobre o Atlético-PR. Um mês depois, o exame antidoping realizado pelo jogador
naquela noite deu positivo para nortestosterona, e Manzi foi suspenso até
fevereiro do ano seguinte. "O lance do doping me pegou. Porque eu, graças
a Deus, nunca precisei fazer coisas erradas extra campo pra me sobressair ao
adversário. Sempre soube das minhas limitações, da minha capacidade, do que era
capaz ou não. Deixo bem claro que minha consciência até hoje está limpa e
tranquila. Não sei o que aconteceu, não conseguimos descobrir. Mas por ser uma
substância proibida, paguei por esse erro, por essa coisa que aconteceu, mas
tenho a consciência limpa. Passei por esse período, não foi fácil. Fui até
discriminado algumas vezes, mas é muito fácil apontar o dedo. Isso eu relevo.
Sempre fui tranquilo. Superei isso junto com minha familia".
Já
em 2004, Manzi quase deixou o Alfredo Jaconi para vestir a camisa tricolor do
Paraná Clube, mas a negociação, que chegou a ser dada como certa pela diretoria
paranista, não se concretizou. "Quanto mais se conhece o homem, mais se dá
valor ao cachorro", disse José Domingos, então diretor paranista, sobre a
negociação mal sucedida, afirmando que Manzi errou com o clube. Aliás, o
próprio jogador assume o erro, mas nega má intenção com o Tricolor. "Eu
tava de férias em Goiânia, e houve o contato com um dirigente, não lembro mais
o nome. Senhor muito educado, me tratou muito bem por telefone. E eu dei meus
valores pra trabalhar pelo Paraná, eles acharam alto na primeira proposta que
fiz. E naquele momento não teve acordo. Depois eles voltaram a ligar, pediram para
ir a Curitiba. Conversamos, me trataram muito bem, fechamos valores, mas não
deixamos nada assinado. E eu deixei bem claro pra ele. 'Eu tenho que voltar pra
Caxias de qualquer forma. A ultima palavra é do Juventude. Eles me deram
prioridade.' Quando voltei pra Caxias sentei com os dirigentes do Juventude,
dei os valores que o Paraná me ofereceu naquela ocasião e o Juventude
simplesmente falou que cobria. Eu tava muito adaptado à Caxias do Sul, minha
família também. E acabei optando por seguir no Juventude. Meu único erro
naquele momento foi não ter informado o pessoal do Paraná, que ficou esperando
uma resposta minha. E eu simplesmente renovei o contrato com o Juventude e não
dei o retorno à direção do Paraná. Por um lado ficou o Leonardo Manzi como mau
caráter. Mas acho que é quando você assina um compromisso. Eu estava negociando
os valores para trabalhar. Não foi coisa de um real a mais ou um milhão. Foi
apenas o fato de eu e minha família já estarmos adaptados à Caxias. Não dei o
retorno e eles ficaram mesmo muito chateados, até com razão", explicou o
atacante.
A
realização do sonho de menino
Depois
de jogar mais uma temporada pelo Juventude, em 2005 o atacante voltou às
origens, vestindo a camisa do clube que o revelou. "Na volta ao Vila, eu
queria realizar meu sonho de ser campeão goiano com a camisa do Vila Nova. Eu
tive sondagens de outros clubes, mas recusei porque estava com a idade já
avançada, e sabia que não teria outra oportunidade de realizar meu sonho de
criança, que era um dia ser campeão goiano profissional. Porque nas categorias
de base do Vila Nova eu tenho todos os títulos". E Manzi conseguiu, embora
tenha visto o triunfo sobre o Goiás nos pênaltis do lado de fora. "Acabei
sendo expulso, no finalzinho do jogo. Eu tava muito ansioso pra ser campeão,
acabei me precipitando em uma falta, acho que no André Leone. Depois rolou um
problema com o Julio Santos. Fui campeão e no mesmo ano teve a Série B. O time
era muito bom, e por pouco não passamos para os playoffs".
Com
o fim precoce da competição, Manzi precisava voltar a trabalhar. "Liguei
pra um amigo meu da Alemanha , o Albert Spreu, que era dono do Wilhelmshaven,
explicando minha situação e disse que queria voltar pra Alemanha e ele aceitou.
Na época o clube tava na quarta divisão, tinha possibilidade de subir. Cheguei
no finzinho faltando oito, dez rodadas". O clube conseguiu o acesso para a
3.Bundesliga e Manzi recebeu uma proposta diferente para a temporada seguinte.
"O próprio dono do clube perguntou se eu não queria ser auxiliar técnico.
Aceitei, já tava com meus 37, 38 anos. Fiquei um ano como auxiliar. Mas daí
caímos na temporada 07-08. Foi onde voltei a jogar de novo. O mesmo Albert
perguntou se eu queria voltar a jogar pra ajudar o time a subir de novo.
Voltei, mas acabei me lesionando. Uma artrose no pé direito, num treinamento na
neve. E aí o médico deu um prazo de 4 meses de recuperação. E como eu já havia
sido auxiliar, e o time B tava sem treinador, me ofereci pra assumir o cargo de
técnico.O auxiliar do time principal tava assumindo essa função e tava
sobrecarregado. Ele aceitou e eu comecei a trabalhar como treinador mesmo e
tomei gosto. Fiquei mais seis meses como treinador da equipe B".
Ao
término do contrato e já oficialmente aposentado dos gramados, Leonardo Manzi voltou
ao Brasil. Depois de um tempo parado, em 2010 foi convidado para assumir o
sub-17 do Vila Nova. No ano seguinte subiu para o sub-20, onde treinou alguns
garotos como o meia Jorginho (Atlético-GO), Rondinelly (ex-Grêmio) e John
Lennon (Cruzeiro). Leonardo Manzi deixou o clube em 2012 e de lá pra cá não
trabalhou mais com futebol, embora ainda deseje voltar a trabalhar com o que
mais gosta. "Estou tentando alguma coisa, buscando uma oportunidade, mas
infelizmente se você não tem um pessoal forte pra te ajudar você fica realmente
desempregado. Mas é esperar em Deus, para que essa porta em breve venha a ser
aberta pra gente trabalhar".
***
Texto
originalmente publicado em 13 de julho de 2017.
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